quinta-feira, 19 de novembro de 2015

Ardinas.pt sobre Macbeth


O Teatro Experimental de Cascais escolheu estrear Macbeth, uma das mais conhecidas e polémicas obras de Shakespeare, para comemorar os seus 50 anos, e o ARDINAS foi descobrir se a peça é tão amaldiçoada como reza a lenda.
“A Peça Escocesa”. É este o título que atores, encenadores e profissionais do mundo do teatro preferem dar à obra de Shakespeare para evitarem mencionar o seu nome, que se acredita ser maldito. Esta superstição quase se pode equiparar ao terror que os feiticeiros do mundo de Harry Potter tinham de dizerem o nome de Lord Voldemort, preferindo referir-se ao mesmo por Aquele Cujo Nome Não Deve Ser Pronunciado. Este receio mundialmente conhecido em relação a Macbeth poderá ter algum fundo de verdade se se tiver em conta o rol de acidentes, mortes e desastres que a encenação da história causou ao longo dos tempos. O pormenor que mais aviva a memória aos portugueses é o da ocasião em que o Teatro D.ª Maria II foi reduzido a cinzas quando era precisamente esta a peça que tinha em exibição.
Esse é apenas um dos casos que levam as companhias a hesitar encenar a história, e que leva os seus participantes a autênticos “rituais para afastar o azar” se por acidente disserem o título original da peça. Contudo, maldita ou não, a ideia não amedrontou Carlos Avillez, que decidiu levá-la a palco numa altura feliz: o aniversário dos 50 anos do TEC.
Com um elenco recheado de nomes conhecidos do público – entre os mais sonantes encontram-se Marco d’Almeida, Pedro Caeiro, Paula Lobo Antunes, Flávia Gusmão, Cláudia Semedo ou João Jesus, entre muitos outros – a peça prometia e não desiludiu.

Macbeth conta a história da ascensão e queda de um dos casais mais nefastos da literatura britânica: Macbeth e a sua esposa, Lady Macbeth. Consumidos por um irrefreável desejo de chegarem aos cargos mais altos da sociedade escocesa, como Rei e Rainha, e com a esperança acalentada pela visão das Três Bruxas, que predisseram que Macbeth se tornaria primeiro Conde de Glamis, depois Conde de Cawdor e só então Rei, não olham a meios nem se coíbem de matar quem esteja no caminho. Assassinam inclusivamente o Rei Duncan quando este está alojado em casa deles – quebrando a regra mais básica da hospitalidade, exemplo que os Frey voltam a seguir na Guerra dos Tronos – e lançam as culpas sobre os filhos deste, e orquestram de seguida a morte de Banquo, que anteriormente fora um dos amigos mais próximos de Macbeth, para que a parte da profecia das bruxas sobre ele – que seria pai de reis, embora nunca chegasse a ter esse título para si – não se pudesse concretizar. Porém, como não conseguem chegar a matar os filhos dele, esta parte da profecia vai acabar por se realizar a seu tempo, e, segundo se acredita, o Rei Jaime I Stuart é descendente direto deste mesmo Banquo.



Tendo como mensagem principal a de que a depravação de uma relação de amor pode levar à ruína dos seus elementos, a peça vai centrar-se na evolução de Macbeth de general honesto, bom e valente em tirano sanguinário, louco e desesperado.
Esta transformação dá-se tanto pela influência da mulher, cada vez mais sedenta de poder e impiedosa nas suas ações, como pela crença na profecia das Três Bruxas. À medida que o bom senso e a consciência de Macbeth se vão afundando cada vez mais e dando lugar à certeza de que é imortal e invencível – uma vez que as feiticeiras lhe garantiram que “ninguém que tenha nascido de uma mulher fará mal a Macbeth” –, também a sua relação com Lady Macbeth se vai destruindo, e onde ao início havia carinho, confiança e companheirismo, há no final uma indiferença fria.


Marco d’Almeida e Flávia Gusmão provam ser uma ótima dupla em palco. A sua química e o modo como se entregam aos diálogos tão longos, velozes e difíceis, às ações diabólicas e à loucura em que acabam por se dissipar é irrepreensível. Também os restantes atores, quer com papéis mais longos, quer com aqueles em que apenas surgem por meros minutos – como é o caso de Paula Lobo Antunes com a sua Lady Macduff, que apenas tem uma cena mas a domina na perfeição e se torna o centro de todas as atenções – estiveram à altura dos dois protagonistas. Num elenco que misturou jovens e graúdos, a dinâmica das relações foi explorada na medida certa e nada pareceu exagerado ou fora de contexto. Se tanto, pareceu sangrento e maquiavélico, tal como se queria.
A atmosfera tornou-se ainda mais sombria pelo facto de o palco ser tão simples, como convém para não roubar as atenções do público às performances dos atores: além das colunas de metal colocadas em arco pelo palco, para tantas vezes servirem de paredes e esconderijos, os únicos adereços que foram entrando em cena foram o trono da Escócia, a coroa real e uma mesa com um cálice. Ainda que simples, o cenário ganha vida à medida que as cenas se sucedem, e também a música ambiente, ora branda ora ressonante, mantém o público à beira dos assentos, sempre na expectativa da próxima maldade que estiver para acontecer.

Ao longo de três horas, com um intervalo pelo meio da peça para permitir aos espectadores respirarem fundo, recuperarem um pouco a compostura depois da primeira metade e preparem-se para o que ainda estava para vir na segunda, a história desenrolou-se sem percalços ou falhas. Nenhum dos atores morreu, ninguém se magoou, nada pegou fogo e, até à data, nem eu tive mais azar do que o costume por ter assistido, e já ter escrito tantas vezes, o nome da peça.
Talvez toda a superstição seja apenas isso mesmo, portanto não desperdice a oportunidade de assistir a Macbeth, que estará em cena até 27 de dezembro no Teatro Mirita Casemiro, no Estoril.


Fotografias: Câmara Municipal de Cascais, Ricardo Rodrigues

Texto: Jessica Rocha

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